sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Linguagem e Pensamento no “Sofista” de Platão

O texto de o “Sofista” nos apresenta duas partes. A primeira desenvolve as sete definições do que é o sofista. A segunda desenvolve a possibilidade do discurso falso. Neste trabalho todos os esforços se empenharão na segunda parte, recorrendo a primeira só quando se fizer necessário.
Em Platão, a linguagem é colocada como objeto de um estudo sistematizado, uma vez que a verdade está colocada na relação entre a linguagem e as coisas. Platão concebe a linguagem de modo filosófico, permitindo o alcance de algo além de si mesma, isto é, a linguagem tem atribuição de verdade, ou seja, esse pensamento platônico é antagônico ao sofista que a utilizava apenas com função persuasiva.
Platão diferencia no discurso o “dizer” e o “denominar” a verdade, o que não está no nome; mas na atribuição de uma propriedade à uma determinada coisa.
Estrangeiro:
É que, desde esse momento, ele nos dá alguma indicação relativa a coisas que são. Ou se tornaram, ou foram ou serão; não se limitando a nomear, mas permitindo-nos ver que algo aconteceu, entrelaçando verbos e nomes. Assim, dissemos que ele discorre, e não somente que nomeia, e, a esse entrelaçamento, demos o nome de discurso[1].
Assim, o discurso só pode se constituir a partir das combinações entre o nome e o verbo. O discurso é aquele que discorre sobre algo e não apenas nomeia, ele exprime a relação que existe entre as coisas.
Estrangeiro:
O discurso, desde que ele é, é necessariamente um discurso sobre alguma coisa; pois sobre o nada é impossível haver discurso[2].
Estrangeiro:
Não discorrendo sobre pessoa alguma, não seria então, nem mesmo um discurso. Na verdade demonstramos que é impossível haver discurso que não discorra sobre alguma coisa[3].
Para Platão, em o “Sofista”, se o discurso é considerado verdadeiro, é porque ele declara e afirma algo que é, se ele for falso é porque declara e afirma algo que não é. Se um discurso for falso, suas partes não são necessariamente falsas.
Estrangeiro:
Que qualidade devemos, pois, atribuir a um e outro?
Teeteto:
Poderemos dizer que um é falso, outro verdadeiro.
Estrangeiro:
Ora, aquele que, dentre os dois é verdadeiro, diz, sobre ti, o que é tal como é.
Teeteto:
Claro!
Estrangeiro:
E aquele que é falso diz outra coisa que aquela que é.
Teeteto:
Sim.
Estrangeiro:
Diz, portanto aquilo que não é.
Teeteto:
Mais ou menos.
Estrangeiro:
Ele diz, pois, coisas que são, mas outras, que aquelas que são a teu respeito; pois, como dissemos, ao redor de cada realidade há, de certo modo, muitos seres e muitos não-seres[4].
Na linguagem há uma conexão entre os gêneros do ser. Os gêneros do ser formam um conjunto de objetos do discurso classificados em o ser. O discurso associa os gêneros em múltiplas formas de dizer.
Nos gêneros do ser, Platão admite a existência do não-ser. Cada um dos gêneros pode ser chamado de não-ser e ao mesmo tempo de ser. Sendo assim, cada forma possui uma multiplicidade e uma quantidade ilimitada de ser e não-ser. O não-ser é algo que não é o ser, mas não é o seu oposto também, ele é algo diferente do ser.
Teeteto:
Como não compreender que ele nos acusará de dizer agora o contra\rio do que não dizíamos, nós que temos a audácia de afirmar que há falsidade tanto nas opiniões como nos discursos? Na verdade, isso mesmo nos leva a unir o ser ao não-ser em muitas fórmulas, quando havíamos concordado na sua impossibilidade, a mais absoluta[5].
Para o sofista era impossível aceitar ou conceber o não-ser, porque ele não tinha parte no ser; assim, o falso era negado. Os sofistas baseavam a sua teoria do inconcebível do não-ser apoiados na exposição de Parmênides que diz que: “jamais obrigarás o não-ser a ser”.
Entretanto, provada a possibilidade que o não-ser é, surge o problema da falsidade. Segue-se, que todo discurso é um discurso sobre alguma coisa, conseqüentemente deverá ser-lhe atribuído alguma propriedade que determina se ele é verdadeiro ou falso, conforme o que é. Para o Estrangeiro de Eléia, “a verdade diz de ti as coisas como realmente são[6]”. O discurso é, pois, verdadeiro quando faz referência às coisas como são, e deve ser proferido de acordo com a verdade do que é.
Platão, pelo fato de poder dizer a verdade ou não, vai constituir a dialética como forma de chegar à verdade; esse é o motivo da crítica platônica aos sofistas, para os quais a verdade está em tudo o que dito.
Em o Sofista, Platão fala sobre a análise do discurso, expressão do juízo, o verbo, a verdade e a falsidade, como sendo o elo constitutivo do discurso. Para Platão, o discurso, seria um todo articulado, um pensamento completo, por isso receberia um valor de verdade no todo, porque não é constituído por partes.
O problema da falsidade está na fala, naquilo que é exteriorizado; só podemos atribuir verdade ou falsidade ao que é dito, e não ao que se afirma em pensamento. O conteúdo do pensamento só é conhecido através da fala. A linguagem não coincide com o pensamento, ela é uma manifestação deste.
Estrangeiro:
Pensamento e discurso são, pois, a mesma coisa, salvo que é ao diálogo interior e silencioso da alma consigo mesma, que chamamos pensamento.
Estrangeiro:
Mas a corrente que emana da alma e sai pelos lábios em emissão vocal, não recebeu o nome de discurso?[7]
Há o discurso e o processo de pensar. Este processo de pensar é também um diálogo, mas um diálogo da mente consigo mesma. Para afirmar alguma coisa a mente primeiro conversa com ela mesma; ela pergunta e da respostas. Depois disso é que ela vai formar um juízo e decidir se algo é ou não é, se verdadeiro ou falso.
Antes de Platão o pensamento e o falar se confundiam por ter uma estreita ligação, mas Platão faz a distinção entre as atitudes mentais e o ato de exteriorizar essas atitudes. O diálogo da mente consigo mesma é o que define entre o ser ou o não-ser.
Assim, quando se diz: “Teeteto, voa”, a própria mente tem em si o valor de verdade, ele é o resultado do ato de pensar. O pensamento elabora o discurso que é exteriorizado pela fala. O discurso em si não é exteriorizado, ele é elaborado para a própria mente.
Estrangeiro:
Desde que há, como vimos, discurso verdadeiro e falso, e que, no discurso, distinguimos o pensamento que é o diálogo da alma consigo mesma, e a opinião, que é a conclusão do pensamento, e esse estado de espírito que designamos por imaginação, que é a combinação de sensação e opinião, é inevitável que, pelo seu parentesco com o discurso, algumas delas sejam, algumas vezes, falsas[8].
Diante deste fato, podemos afirmar, então que o pensamento seria ontologicamente mais denso e mais substantivo do que aquilo que mostra-se na linguagem. A linguagem seria somente um modo de exposição exterior de uma parte limitada do conteúdo do pensamento. Em geral, pensamos e, depois, falamos ou escrevemos.
Se o pensamento corresponde à verdade dos processos mentais interiores, a linguagem é somente um reflexo distorcido – na proporção de suas capacidades especulares, sempre um tanto precárias. De fato, cada um possui capacidade diferente para expor o conteúdo do seu pensamento.
Por tese, podemos dizer, que todo processo de exteriorização do pensamento em linguagem é uma passagem de uma instância superior para uma inferior, na medida em que envolve uma certa perda de conteúdo. Assim, a linguagem é a manifestação do pensamento: a linguagem é somente a aparência do pensamento.

[1] PLATÃO, 262d, pág 196
[2] PLATÃO, 262e, pág 196
[3] PLATÃO, 263c, pág 197
[4] PLATÃO, 263b, pág. 197
[5] PLATÃO, 241b, pág. 168
[6] PLATÃO, 263b, pág 197
[7] PLATÃO, 263e, pág. 197-198
[8] PLATÃO, 264b, pág. 198

Nenhum comentário: