Este texto não tem a pretensão de responder de forma definitiva está pergunta, porém se destina ao processo de reflexão sobre o tema e é voltado para os alunos do 1º e 3º ano do Ensino Médio.
Filosofia é uma palavra de origem grega (philos = amigo; sophia = sabedoria) e em seu sentido estrito designa um tipo de especulação que se originou e atingiu o apogeu entre os antigos gregos, e que teve continuidade com os povos culturalmente dominados por eles. Mas, se afirmamos que esse tipo de especulação é diferente, que tem características próprias, quais são estas afinal? Que é, afinal, filosofia?
Para quem ainda está fora da filosofia, a coisa pode estar parecendo confusa. Mas a razão da dificuldade é fácil de explicar: talvez seja possível dizer e entender o que é física, de fora da física; e dizer e entender o que é a química, de fora da química. Mas, para dizer e entender o que é a filosofia, é preciso já estar dentro dela. “O que é a física” não é uma questão de física, “o que é a química” não é uma questão de química, mas “o que é filosofia” já é uma questão filosófica – e talvez uma das características da questão filosófica seja o fato de suas respostas, ou tentativas de resposta, jamais esgotarem a questão, que permanece assim com sua força de questão, a convidar outras respostas e outras abordagens possíveis.
Entremos de uma vez na filosofia, mais propriamente na Metafísica de Aristóteles, onde este está justamente em busca de uma sophia (sabedoria) que seja a maior, a mais importante, a primeira sabedoria.
É, pois evidente que a sabedoria (sophia) é uma ciência sobre certos princípios e causas. E, já que procuramos essa ciência, o que deveríamos indagar é de que causas e princípios é ciência a sabedoria. Se levarmos em conta as opiniões que temos a respeito do sábio, talvez isso se torne mais claro. Pensamos, em primeiro lugar, que o sábio sabe tudo, na medida do possível, sem ter a ciência de cada coisa particular. Em seguida, consideramos sábio aquele que pode conhecer as coisas difíceis, e não de fácil acesso para a inteligência humana (pois o sentir é comum a todos e por isso é fácil, e nada tem de sábio). Ademais, àquele que conhece com mais exatidão e é mais capaz de ensinar as causas, consideramo-lo mais sábio em qualquer ciência. E, entre as ciências, pensamos que é mais sabedoria a que é desejável por si mesma e por amor ao saber, do que aquela que se procura por causa dos resultados, e [pensamos] que aquela destinada a mandar é mais sabedoria que a subordinada. Pois não deve o sábio receber ordens, porém dá-las, e não é ele que há de obedecer a outro, porém deve obedecer a ele o menos sábio. Tais são, por sua qualidade e seu número, as ideias que temos acerca da sabedoria e dos sábios. (Aristóteles, Metafísica, A 982 a)
[...] O saber filosófico: 1) é um saber “de todas as coisas”, um saber universal; num certo sentido, nada está fora do campo da filosofia; 2) é um saber pelo saber: um saber livre, e não um saber que se constitui para resolver uma dificuldade de ordem prática; 3) é um saber pelas causas; o que Aristóteles entende por causa não é exatamente o que nós chamamos por esse nome; de qualquer forma, saber pelas causas envolve o exercício da razão, e este envolve a crítica: o saber filosófico é, pois, um saber crítico.
Ora, uma das belezas que nos revela a análise etimológica da palavra filosofia é a modéstia com que o filósofo se apresenta: ele não é um sábio, ele é “amante da sabedoria”. A filosofia não é tanto um saber como uma atividade: a da busca, a do cultivo do saber. O primeiro espanto talvez tenha sido involuntário; mas, depois que se torna “amante da sabedoria”, o filósofo torna-se amante do próprio espanto, que é a experiência que o joga na atividade da busca do saber, que é o objeto do seu amor. O filósofo é alguém que sabe manter viva a capacidade de se espantar. Lá mesmo, onde todo mundo está instalado, dentro do óbvio mais ululante, o filósofo é aquele que chega e, com toda espécie de perguntas engraçadas, dá uma sacudida e faz ver que nada é óbvio, e que tudo é realmente de pasmar! Nada escapa a seu questionamento: nem Deus, nem o homem e suas instituições, nem as ciências, seus métodos e seus resultados, nem os resultados do questionamento filosófico, nem o próprio direito do filósofo de questionar. Filosofia é “saber de todas as coisas” e é saber crítico. Nem ela própria pode escapar ao seu questionamento e à sua crítica.
Ora, numa sociedade em que as explicações estão todas prontas, onde as normas são aceitas sem discussão, a tendência é estagnar. As alterações, inevitáveis em qualquer comunidade humana, ficam por conta de fatores externos: mudanças climáticas, cataclismas, guerras, invasões... Mas lá onde há questionamento de tudo existe um princípio interno de transformação, e existe a permanente possibilidade da mudança. A filosofia é justamente a ciência com a qual não é possível ao mundo permanecer tal e qual!
Texto extraído e adaptado de REZENDE, Antonio (org.). Curso de Filosofia: Para professores e alunos dos cursos de segundo grau e graduação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. (p.12-17)