quarta-feira, 28 de março de 2012

O Que é Filosofia?

Este texto não tem a pretensão de responder de forma definitiva está pergunta, porém se destina ao processo de reflexão sobre o tema e é voltado para os alunos do 1º e 3º ano do Ensino Médio.

Filosofia é uma palavra de origem grega (philos = amigo; sophia = sabedoria) e em seu sentido estrito designa um tipo de especulação que se originou e atingiu o apogeu entre os antigos gregos, e que teve continuidade com os povos culturalmente dominados por eles. Mas, se afirmamos que esse tipo de especulação é diferente, que tem características próprias, quais são estas afinal? Que é, afinal, filosofia?

Para quem ainda está fora da filosofia, a coisa pode estar parecendo confusa. Mas a razão da dificuldade é fácil de explicar: talvez seja possível dizer e entender o que é física, de fora da física; e dizer e entender o que é a química, de fora da química. Mas, para dizer e entender o que é a filosofia, é preciso já estar dentro dela. “O que é a física” não é uma questão de física, “o que é a química” não é uma questão de química, mas “o que é filosofia” já é uma questão filosófica – e talvez uma das características da questão filosófica seja o fato de suas respostas, ou tentativas de resposta, jamais esgotarem a questão, que permanece assim com sua força de questão, a convidar outras respostas e outras abordagens possíveis.

Entremos de uma vez na filosofia, mais propriamente na Metafísica de Aristóteles, onde este está justamente em busca de uma sophia (sabedoria) que seja a maior, a mais importante, a primeira sabedoria.

É, pois evidente que a sabedoria (sophia) é uma ciência sobre certos princípios e causas. E, já que procuramos essa ciência, o que deveríamos indagar é de que causas e princípios é ciência a sabedoria. Se levarmos em conta as opiniões que temos a respeito do sábio, talvez isso se torne mais claro. Pensamos, em primeiro lugar, que o sábio sabe tudo, na medida do possível, sem ter a ciência de cada coisa particular. Em seguida, consideramos sábio aquele que pode conhecer as coisas difíceis, e não de fácil acesso para a inteligência humana (pois o sentir é comum a todos e por isso é fácil, e nada tem de sábio). Ademais, àquele que conhece com mais exatidão e é mais capaz de ensinar as causas, consideramo-lo mais sábio em qualquer ciência. E, entre as ciências, pensamos que é mais sabedoria a que é desejável por si mesma e por amor ao saber, do que aquela que se procura por causa dos resultados, e [pensamos] que aquela destinada a mandar é mais sabedoria que a subordinada. Pois não deve o sábio receber ordens, porém dá-las, e não é ele que há de obedecer a outro, porém deve obedecer a ele o menos sábio. Tais são, por sua qualidade e seu número, as ideias que temos acerca da sabedoria e dos sábios. (Aristóteles, Metafísica, A 982 a)

[...] O saber filosófico: 1) é um saber “de todas as coisas”, um saber universal; num certo sentido, nada está fora do campo da filosofia; 2) é um saber pelo saber: um saber livre, e não um saber que se constitui para resolver uma dificuldade de ordem prática; 3) é um saber pelas causas; o que Aristóteles entende por causa não é exatamente o que nós chamamos por esse nome; de qualquer forma, saber pelas causas envolve o exercício da razão, e este envolve a crítica: o saber filosófico é, pois, um saber crítico.

Ora, uma das belezas que nos revela a análise etimológica da palavra filosofia é a modéstia com que o filósofo se apresenta: ele não é um sábio, ele é “amante da sabedoria”. A filosofia não é tanto um saber como uma atividade: a da busca, a do cultivo do saber. O primeiro espanto talvez tenha sido involuntário; mas, depois que se torna “amante da sabedoria”, o filósofo torna-se amante do próprio espanto, que é a experiência que o joga na atividade da busca do saber, que é o objeto do seu amor. O filósofo é alguém que sabe manter viva a capacidade de se espantar. Lá mesmo, onde todo mundo está instalado, dentro do óbvio mais ululante, o filósofo é aquele que chega e, com toda espécie de perguntas engraçadas, dá uma sacudida e faz ver que nada é óbvio, e que tudo é realmente de pasmar! Nada escapa a seu questionamento: nem Deus, nem o homem e suas instituições, nem as ciências, seus métodos e seus resultados, nem os resultados do questionamento filosófico, nem o próprio direito do filósofo de questionar. Filosofia é “saber de todas as coisas” e é saber crítico. Nem ela própria pode escapar ao seu questionamento e à sua crítica.

Ora, numa sociedade em que as explicações estão todas prontas, onde as normas são aceitas sem discussão, a tendência é estagnar. As alterações, inevitáveis em qualquer comunidade humana, ficam por conta de fatores externos: mudanças climáticas, cataclismas, guerras, invasões... Mas lá onde há questionamento de tudo existe um princípio interno de transformação, e existe a permanente possibilidade da mudança. A filosofia é justamente a ciência com a qual não é possível ao mundo permanecer tal e qual!

Texto extraído e adaptado de REZENDE, Antonio (org.). Curso de Filosofia: Para professores e alunos dos cursos de segundo grau e graduação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. (p.12-17)

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A RESOLUÇÃO DAS REVOLUÇÕES – CAP. 11

Segundo Kuhn o processo pelo qual um novo paradigma substitui o antecessor é que o cientista precisa ter a mente aberta para ver o mundo de outra maneira, ele precisa enxergar de outra perspectiva, de outro prisma. Para tanto, Kuhn vai dizer que os cientistas novos são mais propícios a essa atitude por estarem menos comprometidos e influenciados com paradigmas anteriores. Está mudança de visão leva a sua atenção para estar concentrada nos problemas que provocaram a crise do paradigma.
O cientista ou uma comunidade científica abandona uma tradição de pesquisa normal, quando busca soluções ou respostas que o paradigma em crise não fornece. Isso não quer dizer que o cientista vai testar paradigmas, mas que ele está buscando soluções com as várias alternativas propostas por paradigmas. Neste estágio o paradigma é um pressuposto.
O teste do novo paradigma só ocorre após o fracasso das alternativas para solucionar a crise existente no paradigma em questão, isto gera a crise e o novo paradigma é evocado para tentar solucionar a crise. Esse teste não consiste em comparar paradigmas, mas é uma disputa entre dois paradigmas rivais para obterem a adesão da comunidade científica.
O paradigma aceito, é o que mais promete, a probabilidade é a base para a aceitação de um novo paradigma, não a sua verificação. Um novo paradigma deve nortear as futuras discussões, pois todos os paradigmas que se adaptariam a um conjunto de dados já foram testados, segundo Kuhn “a verificação é como a seleção natural: escolhe a mais viável entre as alternativas existente em uma situação histórica determinada[1]”.
Kuhn critica a teoria de Karl Popper, porque ele nega qualquer procedimento de verificação e enfatiza a falsificação, isto é, um resultado negativo torna inevitável a rejeição de uma teoria. Para Kuhn, o processo de falsificação, defendido por Popper, poderia ser chamado de verificação, pois consiste no triunfo de um novo paradigma sobre o anterior.
A resolução dos paradigmas é complexa, nenhuma das partes aceita todos os pressupostos como absolutos para resolução de uma crise. Para paradigmas concorrentes Kuhn estabeleceu a incomensurabilidade das tradições científicas normais, estabelecendo que a discordância entre os candidatos a paradigma está sobre a lista de problemas que os eles tencionam resolver.
Os proponentes dos paradigmas competidores praticam seus ofícios em mundos diferentes. Os dois grupo de cientistas vêem coisas diferentes quando olham na mesma direção. Ambos olham para o mundo e o que olham não mudou.
Mais que a incomensurabilidade, os novos paradigmas nascem dos antigos, incorporam grande parte do vocabulário e dos aparatos, tanto conceituais como de manipulação. Mas raramente utilizam esses elementos emprestados de uma maneira tradicional. Dentro do novo paradigma, termos, conceitos e experiências antigas estabelecem novas relações entre si. Por se tratar de transição entre incomensuráveis, a transição não pode ser feita passo a passo, deve ser feita subitamente.
A transferência de adesão de um paradigma a outro é uma experiência de conversão que não pode ser forçado. O cientista nem sempre está preparado para admitir o seu erro, mesmo diante de provas, pois tem certeza que o paradigma em que desenvolveu o seu trabalho, resolverá todos os seus problemas. Essa certeza dos cientistas mais experientes que torna possível uma ciência normal.
Kuhn vai afirmar que constantemente a adesão ao novo paradigma se dará por jovens que crescem familiarizados com ele, pois nem sua carreira e nem sua vida está comprometida com os paradigmas anteriores.
Entretanto, para Kuhn, como já disse acima, a troca de paradigma é uma experiência de conversão, e ela está relacionada à capacidade do novo paradigma de resolver os problemas que geraram a crise do paradigma antigo. A aceitação de um novo paradigma, inicialmente, se concentrará na sua capacidade promissora.
Junto à idéia promissora do paradigma, também devemos destacar o sentimento do que é estético, a nova teoria deve ser mais clara, adequada ou mais simples que a antiga.
Mas, neste início, o novo paradigma não contribuirá para a resolução dos problemas que provocaram a crise. Inicialmente, o novo paradigma dificilmente resolverá mais do que alguns problemas, só posteriormente, depois da exploração da teoria, que os argumentos decisivos são desenvolvidos.
E por falta de contribuição para a resolução dos problemas torna-se necessário buscar contribuições em outros setores da área de estudo, fortalecendo assim, a aceitação do novo paradigma a predição e confirmação de fenômeno que não estavam incluídos na teoria desde o início. Kuhn dirá que “se o paradigma fosse julgado pela sua capacidade em resolver problemas e levasse em consta a sua incomensurabilidade com outros paradigmas antigos, não haveria resoluções em ciências[2]”.
Então, o processo de conversão a um novo paradigma se dará no âmbito de ele ter capacidade de orientar o futuro das pesquisas, a aceitação se baseia na promessa e não nas realizações antigas. Neste caso, Kuhn dirá que é preciso ter fé na capacidade do novo paradigma para resolver problemas.
É necessário uma base para a fé, a existência de algo que mostre que o novo paradigma indique um caminho promissor, e muitas vezes a estética realiza isso, conforme já dito acima.
Comumente o novo paradigma conquista poucos adeptos, mas para o triunfo de um novo paradigma é necessário conquistar adeptos iniciais, para o desenvolver até que os objetivos possam ser produzidos e multiplicados, e assim, com o tempo e a realização de um bom trabalho e o mostrar do que é participar de uma comunidade norteada por ele, os cientistas serão convencidos.
E enfim, quando toda uma comunidade é convertida a um novo paradigma, portanto, a nova maneira de fazer ciência normal, aquele que resistir, a comunidade dirá que ele deixou de ser cientista.
Bibliografia
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. 2ª edição, São Paulo: Perspectiva, 1979

A EDUCAÇÃO DAS MULHERES NA REPÚBLICA DE PLATÃO

Platão afirma que a educação inicial será dada igualmente aos dois gêneros sexuais, e que eles passarão pela seleção, de sorte que poderá haver mulher na Classe Militar. “Um Estado que não usa as aptidões das mulheres é um Estado incompleto”. Aos guardiões é dada a educação tradicional dos guerreiros gregos: ginástica, música, dança e artes marciais.
Os guardiões devem considerar que sua casa é a Cidade, por isso não terão casa própria, nenhuma propriedade privada, nem família: homem e mulher viverão em comunidade, seus bens são comuns, o sexo é livre (não há matrimônios) e as crianças deverão ser consideradas filhas da comunidade inteira. Platão elimina a causa que dá origem à “aristocracia” de sangue e hereditária, impedindo que os guardiões constituem linhagens e que estas se rivalizem.
A educação dos guardiões é propriamente cívica, pois eles só existem como pessoas públicas para o bem público. Os guerreiros devem ser semelhantes a um cão de guarda: carinhoso para os seus e terríveis para os inimigos.
Platão aprofunda dois grupos de questões, o primeiro consiste numa série de conseqüências que derivam do fato de ter posto o princípio de que a classe dos guardiões do Estado deve ter todas as coisas em comum: habitação, alimentação, mulheres, filhos, a criação e a educação da prole.
A primeira conseqüência derivada por Platão é a de entrega às mulheres dos guardiões a mesma casa entregue aos homens e, portanto, a de educar as mulheres da mesma forma que os homens.
Assim sendo, as mulheres, como os homens, se exercitarão despidas nos ginásios, revestidas de virtude e não de roupas e, sem dever ocupar‑se de outra coisa, tomarão parte na guarda do Estado e também na guerra.
Essa idéia é revolucionária, pois, em geral, o grego recolhia a mulher no recinto doméstico, confiava‑lhe a administração da casa e a criação dos filhos e a mantinha longe das atividades culturais, de ginástica, das atividades bélicas e políticas.
Uma segunda conseqüência, que deriva imediatamente da anterior, é a eliminação do instituto da família para a classe dos guardiões, já que as mulheres (assim como os homens) não deverão ocupar‑se de outra coisa a não ser da guarda do Estado. As mulheres dos guardiões serão comuns e também os filhos serão comuns.
Assim, Platão quer tirar dos guardiões uma família sua particular para oferecer‑lhes uma muito maior. Com efeito, não somente a posse de bens materiais divide os homens, mas também a posse daquele bem peculiar que é a família desperta de várias maneiras o egoísmo humano. Tendo posto em comum também à família, os guardiões de nada mais poderão dizer “é meu”, porque tudo absolutamente será comum, à exceção do corpo.
O Estado platônico representa, físico e espiritualmente, a elite da população, e é necessário que justamente dela nasça a nova elite. Assim o motivo da proibição de toda posse individual, mesmo da posse de uma mulher, combina‑se com o princípio da seleção racial no conduzir à teoria da comunidade de mulheres e filhos para os guerreiros.
Conclui que permanece verdade, por mais nobre que tenha sido o fim almejado por Platão (unificar a Cidade como uma grande família, cortando pela raiz tudo o que fomenta os egoísmos humanos), os meios que indicou não somente se mostram inadequados, mas decepcionantes. Considerando bem, em todas essas doutrinas o erro fundamental permanece o mesmo, e consiste em considerar a raça mais importante do que o indivíduo, a coletividade mais do que o sujeito singular. Platão, como todos os gregos antes dele (e também depois dele, até o aparecimento das correntes helenísticas), não teve claro o conceito de homem como indivíduo e como singular único e não‑repetível, e não logrou entender que nesse ser uma individualidade singular e não repetível está o supremo valor do homem.

Linguagem e Pensamento no “Sofista” de Platão

O texto de o “Sofista” nos apresenta duas partes. A primeira desenvolve as sete definições do que é o sofista. A segunda desenvolve a possibilidade do discurso falso. Neste trabalho todos os esforços se empenharão na segunda parte, recorrendo a primeira só quando se fizer necessário.
Em Platão, a linguagem é colocada como objeto de um estudo sistematizado, uma vez que a verdade está colocada na relação entre a linguagem e as coisas. Platão concebe a linguagem de modo filosófico, permitindo o alcance de algo além de si mesma, isto é, a linguagem tem atribuição de verdade, ou seja, esse pensamento platônico é antagônico ao sofista que a utilizava apenas com função persuasiva.
Platão diferencia no discurso o “dizer” e o “denominar” a verdade, o que não está no nome; mas na atribuição de uma propriedade à uma determinada coisa.
Estrangeiro:
É que, desde esse momento, ele nos dá alguma indicação relativa a coisas que são. Ou se tornaram, ou foram ou serão; não se limitando a nomear, mas permitindo-nos ver que algo aconteceu, entrelaçando verbos e nomes. Assim, dissemos que ele discorre, e não somente que nomeia, e, a esse entrelaçamento, demos o nome de discurso[1].
Assim, o discurso só pode se constituir a partir das combinações entre o nome e o verbo. O discurso é aquele que discorre sobre algo e não apenas nomeia, ele exprime a relação que existe entre as coisas.
Estrangeiro:
O discurso, desde que ele é, é necessariamente um discurso sobre alguma coisa; pois sobre o nada é impossível haver discurso[2].
Estrangeiro:
Não discorrendo sobre pessoa alguma, não seria então, nem mesmo um discurso. Na verdade demonstramos que é impossível haver discurso que não discorra sobre alguma coisa[3].
Para Platão, em o “Sofista”, se o discurso é considerado verdadeiro, é porque ele declara e afirma algo que é, se ele for falso é porque declara e afirma algo que não é. Se um discurso for falso, suas partes não são necessariamente falsas.
Estrangeiro:
Que qualidade devemos, pois, atribuir a um e outro?
Teeteto:
Poderemos dizer que um é falso, outro verdadeiro.
Estrangeiro:
Ora, aquele que, dentre os dois é verdadeiro, diz, sobre ti, o que é tal como é.
Teeteto:
Claro!
Estrangeiro:
E aquele que é falso diz outra coisa que aquela que é.
Teeteto:
Sim.
Estrangeiro:
Diz, portanto aquilo que não é.
Teeteto:
Mais ou menos.
Estrangeiro:
Ele diz, pois, coisas que são, mas outras, que aquelas que são a teu respeito; pois, como dissemos, ao redor de cada realidade há, de certo modo, muitos seres e muitos não-seres[4].
Na linguagem há uma conexão entre os gêneros do ser. Os gêneros do ser formam um conjunto de objetos do discurso classificados em o ser. O discurso associa os gêneros em múltiplas formas de dizer.
Nos gêneros do ser, Platão admite a existência do não-ser. Cada um dos gêneros pode ser chamado de não-ser e ao mesmo tempo de ser. Sendo assim, cada forma possui uma multiplicidade e uma quantidade ilimitada de ser e não-ser. O não-ser é algo que não é o ser, mas não é o seu oposto também, ele é algo diferente do ser.
Teeteto:
Como não compreender que ele nos acusará de dizer agora o contra\rio do que não dizíamos, nós que temos a audácia de afirmar que há falsidade tanto nas opiniões como nos discursos? Na verdade, isso mesmo nos leva a unir o ser ao não-ser em muitas fórmulas, quando havíamos concordado na sua impossibilidade, a mais absoluta[5].
Para o sofista era impossível aceitar ou conceber o não-ser, porque ele não tinha parte no ser; assim, o falso era negado. Os sofistas baseavam a sua teoria do inconcebível do não-ser apoiados na exposição de Parmênides que diz que: “jamais obrigarás o não-ser a ser”.
Entretanto, provada a possibilidade que o não-ser é, surge o problema da falsidade. Segue-se, que todo discurso é um discurso sobre alguma coisa, conseqüentemente deverá ser-lhe atribuído alguma propriedade que determina se ele é verdadeiro ou falso, conforme o que é. Para o Estrangeiro de Eléia, “a verdade diz de ti as coisas como realmente são[6]”. O discurso é, pois, verdadeiro quando faz referência às coisas como são, e deve ser proferido de acordo com a verdade do que é.
Platão, pelo fato de poder dizer a verdade ou não, vai constituir a dialética como forma de chegar à verdade; esse é o motivo da crítica platônica aos sofistas, para os quais a verdade está em tudo o que dito.
Em o Sofista, Platão fala sobre a análise do discurso, expressão do juízo, o verbo, a verdade e a falsidade, como sendo o elo constitutivo do discurso. Para Platão, o discurso, seria um todo articulado, um pensamento completo, por isso receberia um valor de verdade no todo, porque não é constituído por partes.
O problema da falsidade está na fala, naquilo que é exteriorizado; só podemos atribuir verdade ou falsidade ao que é dito, e não ao que se afirma em pensamento. O conteúdo do pensamento só é conhecido através da fala. A linguagem não coincide com o pensamento, ela é uma manifestação deste.
Estrangeiro:
Pensamento e discurso são, pois, a mesma coisa, salvo que é ao diálogo interior e silencioso da alma consigo mesma, que chamamos pensamento.
Estrangeiro:
Mas a corrente que emana da alma e sai pelos lábios em emissão vocal, não recebeu o nome de discurso?[7]
Há o discurso e o processo de pensar. Este processo de pensar é também um diálogo, mas um diálogo da mente consigo mesma. Para afirmar alguma coisa a mente primeiro conversa com ela mesma; ela pergunta e da respostas. Depois disso é que ela vai formar um juízo e decidir se algo é ou não é, se verdadeiro ou falso.
Antes de Platão o pensamento e o falar se confundiam por ter uma estreita ligação, mas Platão faz a distinção entre as atitudes mentais e o ato de exteriorizar essas atitudes. O diálogo da mente consigo mesma é o que define entre o ser ou o não-ser.
Assim, quando se diz: “Teeteto, voa”, a própria mente tem em si o valor de verdade, ele é o resultado do ato de pensar. O pensamento elabora o discurso que é exteriorizado pela fala. O discurso em si não é exteriorizado, ele é elaborado para a própria mente.
Estrangeiro:
Desde que há, como vimos, discurso verdadeiro e falso, e que, no discurso, distinguimos o pensamento que é o diálogo da alma consigo mesma, e a opinião, que é a conclusão do pensamento, e esse estado de espírito que designamos por imaginação, que é a combinação de sensação e opinião, é inevitável que, pelo seu parentesco com o discurso, algumas delas sejam, algumas vezes, falsas[8].
Diante deste fato, podemos afirmar, então que o pensamento seria ontologicamente mais denso e mais substantivo do que aquilo que mostra-se na linguagem. A linguagem seria somente um modo de exposição exterior de uma parte limitada do conteúdo do pensamento. Em geral, pensamos e, depois, falamos ou escrevemos.
Se o pensamento corresponde à verdade dos processos mentais interiores, a linguagem é somente um reflexo distorcido – na proporção de suas capacidades especulares, sempre um tanto precárias. De fato, cada um possui capacidade diferente para expor o conteúdo do seu pensamento.
Por tese, podemos dizer, que todo processo de exteriorização do pensamento em linguagem é uma passagem de uma instância superior para uma inferior, na medida em que envolve uma certa perda de conteúdo. Assim, a linguagem é a manifestação do pensamento: a linguagem é somente a aparência do pensamento.

[1] PLATÃO, 262d, pág 196
[2] PLATÃO, 262e, pág 196
[3] PLATÃO, 263c, pág 197
[4] PLATÃO, 263b, pág. 197
[5] PLATÃO, 241b, pág. 168
[6] PLATÃO, 263b, pág 197
[7] PLATÃO, 263e, pág. 197-198
[8] PLATÃO, 264b, pág. 198

Trabalho Alienado

Marx em “o trabalho alienado” questiona o entendimento dado à economia política até sua época, ele critica a posição do economista que não busca estabelecer uma relação entre duas coisas: o trabalho e o trabalhador. Marx diz que a economia política esconde a alienação na natureza do trabalho e isto porque não observa a imediata relação entre o trabalhador e a produção.
Partindo da economia política, ele vai explicar a relação entre o trabalho e o trabalhador, dividindo a sociedade em duas classes, os possuidores de propriedades e os trabalhadores sem propriedade. Marx se fixa na idéia de que quanto mais o trabalhador trabalha e produz, mais miserável se torna.
Para Marx a economia política é movimentada pela competição dos homens avaros, e assim sendo, a avareza e a guerra proveniente dela, são os principais alimentadores da economia política.
Ao tratar da alienação do trabalhador, o filosofo nos diz que isso se dá quando o trabalhador põe a sua vida no objeto: o trabalho, conseqüentemente, sua vida não lhe pertence, mas, antes, ao próprio objeto. A alienação acontece quando o trabalhador passa a ser posse do objeto. Este trabalho assume uma existência externa, independente e antagônica.
A alienação torna o homem um escravo do objeto, porque ele recebe o trabalho e deste o seu meio de subsistência. Marx recorre a Feurbach e afirma o homem como ser genérico, que vive da natureza inorgânica de forma universal, não só no sentido de que faz objeto seu, a espécie, mas também no sentido de que ele se comporta perante si próprio como a espécie presente, viva, como um ser universal, e, portanto livre.
A natureza é o corpo inorgânico do homem, isto é, a natureza na medida em que não é o próprio corpo humano. O homem vive da natureza, e isto significa que a natureza é o seu corpo, com o qual tem de manter-se em permanente intercâmbio para não morrer.
O trabalho alienado transforma a vida genérica em meio da vida individual, alienando a natureza do homem e o alienando de si mesmo, da sua função ativa, da sua atividade vital e a respeito de sua espécie.
Para Marx o trabalho alienado transforma a vida genérica do homem em ser estranho, em meio da sua existência individual. Aliena do homem o próprio corpo, bem como a natureza externa, a sua vida intelectual, a sua vida humana.
Dessa forma, a existência do trabalhador não se dá por si, mas pela capacitação do objeto para sua existência, como trabalhador e sujeito físico. Na alienação há uma relação do trabalhador com os objetos de sua produção.
O trabalho é algo exterior ao trabalhador, não pertence à sua natureza, ele não se afirma no trabalho, ao contrário, nega-se a si mesmo. O trabalhador só se sente em si fora do trabalho, em suas funções naturais, enquanto no trabalho se sente fora de si.
Marx estabelece como relação de alienação, o vínculo do trabalhador ao produto do trabalho, afirmado que este objeto é estranho ao mesmo tempo em que dominante; e ainda, que há uma relação entre o trabalho e a produção como algo estranho e causador do sofrimento.
É notável que o trabalho alienado inverte a relação, uma vez que o homem, transforma sua atividade vital, o seu ser, em simples meio de existência, fazendo da atividade vital o objeto da vontade e da consciência. A vida genérica é furtada do homem.
Na relação do trabalho alienado, cada homem olha os outros homens segundo o padrão e a relação em que ele próprio se encontra. É a alienação do homem relativamente ao homem. Quando o homem se contrapõe a si mesmo, entra igualmente em oposição com os outros homens.
Neste ínterim, pode surgir a dúvida do leitor: se a minha atividade não me pertence, e é alheia, forçada, a quem ela pertence? Marx dirá que o produto não pertence ao trabalhador, e a ele se contrapõe como poder estranho, isto só é possível porque o produto do trabalho pertence a outro homem distinto do trabalhador.
A relação do trabalhador ao trabalho gera a relação do capitalista ao trabalho. A propriedade privada constitui, portanto, o produto, a conseqüência necessária do trabalho alienado, da relação externa do trabalhador à natureza e a si mesmo.
A propriedade privada deriva-se assim da análise do conceito do trabalho alienado, ou seja, do homem alienado, do trabalho alienado, da vida alienada, do homem estranho a si próprio. A propriedade privada, em seu clímax, é o produto do trabalho alienado, e ela é o meio através do qual o trabalho se aliena, ela é a realização da alienação.
A propriedade privada, como expressão material resumida do trabalho alienado, inclui a relação do trabalhador ao trabalho, ao produto do seu trabalho e ao não-trabalhador; e a relação do não-trabalhador ao trabalhador e ao produto do seu trabalho. Tudo o que aparece no trabalhador como atividade de alienação se manifesta no não-trabalhador como condição da alienação.
Nestas considerações, o salário e a propriedade privada são idênticos: de fato, o salário, tal como o produto do trabalho, constitui apenas uma conseqüência necessária da alienação do trabalho. No sistema de salários, o trabalho aparece, não como fim em si, mas como servo do salário. Um aumento de salários, não passaria de uma melhor remuneração dos escravos e não restituiria o significado e o valor humano nem ao trabalhador, nem ao trabalho.
Enfim, Marx afirmará que o trabalhador se apropria da natureza, a apropriação aparece como alienação e a alienação como apropriação, a atividade pessoal como atividade para outro e de outro, a espontaneidade vital como sacrifício de vida, a produção do objeto como perda do objeto a favor de um poder estranho, de um homem estranho.
A relação do trabalhador não se dá apenas como resultado de seu trabalho, mas todo o seu processo de produção serve de alienação. Se o produto do trabalho é a alienação, concorre que todo o processo é alienado. A alienação do produto e do trabalho é o resumo da alienação do próprio processo de atividade do trabalho.

Bibliografia
MARX, Karl. Manuscritos economicos-filosoficos e outros textos
escolhidos
. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. 404p. : il. (Os
Pensadores).

A Consolação da Filosofia - Livro II, 1-8

A filosofia argumenta com Boécio, mostrando a ele a causa e a natureza de sua doença e profunda melancolia, isto é, a perda da fortuna. A mulher que personifica a filosofia, mostra a ele que a fortuna tem vários embustes: ela engana, enlouquece, desespera, e por fim, abandona. A profunda melancolia de Boécio é pelo fato de experimentar o novo, a mudança de situação lhe causava perturbação no espírito, lhe causava a perda da tranqüilidade.A filosofia lembra Boécio que se aquilatada a sua vida em relação à fortuna, nada do que ele se queixava teria sentido, porque de fato, nada do que perdera era realmente bom. A fortuna é instável, seu caráter e procedimento mergulham o homem, que a ela entrega a direção da sua vida, na inconstância.Deve ser esclarecido, a essa altura do texto, que a Fortuna deusa romana da sorte, corresponde à deusa grega Tyche. Tyche era representada portando uma cornucópia e um timão, que simbolizavam a distribuição de bens e a coordenação da vida dos homens, e geralmente era representada cega ou com a vista tapada, pois distribuía seus desígnios aleatoriamente, ao acaso.Boécio descobre o jogo de duplicidade imposta pela fortuna, só agora, na prisão. Houve momentos que a fortuna a ele direcionou palavras doces e lisonjeiras, mas agora ela jogava com a própria situação, ela o fez refém daquilo que outrora ele considerou a coisa mais valiosa de sua vida, a fortuna, isto é, o acaso.Diante da melancolia do nosso personagem, a filosofia o convida para que vá a juízo e tente mostrar que o que ele usufruía é próprio do homem. A filosofia argumenta que Boécio veio ao mundo nu, e tudo que ele “possui” veio com a chegada da fortuna, o acaso. A questão que ela propõe para que ele responda é “como que, com a saída dela (fortuna) o que ele tinha não iria com ela?”Fica evidente nas palavras da filosofia, que os bens não são próprios do ser humano, ele não nasce com eles. O homem não nasce com títulos, cargos, bens financeiros e honrarias, na verdade, o homem usufrui disto com a presença da fortuna. Assim, de nada deveria Boécio se queixar, tudo o que estava com ele, nunca fora dele, pois se fosse nunca haveria de tê-los perdido.A filosofia ainda mostra a Boécio os dois lados das coisas naturais, o céu com a beleza do dia, mas a escuridão da noite; o ano com tempos de flores e tempos de inverno; e o mar, com períodos de calmaria e períodos de ondas revoltas. Deste modo, a fortuna também está atrelada a um jogo interminável: “constantemente” vira a roda, fazendo descer o que está no alto, e subir o que está embaixo.Mas para Boécio as palavras da filosofia, apesar de esclarecedoras e consoláveis, tem um resultado momentâneo, sem causar um alivio definitivo de sua dor. Para ele, no fim de todo discurso, a melancolia e a dor da perda da fortuna retornará.Para que isso não ocorra, a filosofia se propõe a lembrar Boécio da sua grandeza e magnitude, que outrora era motivo de sua felicidade. Ela passa a recordá-lo de seus cargos, o sucesso de seus filhos na cúria, a esposa honrada e a riqueza que o permitia distribuir aos menos favorecidos, tudo isso foi o apogeu de sua glória. Mas aqui a filosofia, novamente questiona Boécio: “se isso concorre para a definição de felicidade, como é possível esquecer as glórias, mesmo em momentos de sofrimento?”Até aqui a filosofia tenta mostrar a Boécio o que lhe sucedera, o auge, o apogeu que lhe fora contemplado pelo acaso. A partir daqui a filosofia o chama para um balanço e ela defenderá a situação pelo olhar da “fortuna”.A filosofia o faz lembrar que até aquele momento a fortuna, o acaso, lhe foi favorável, e pela primeira vez lança sobre ele algo de mal, mas mesmo assim, se comparar a alegria e a dor, o saldo é positivo. A filosofia mostra que o fim de tudo é o encontro certo com a morte, não importando se favorecido ou não pela fortuna. Novamente, a filosofia lança uma indagação a Boécio: “qual é a diferença entre abandonar a fortuna com a morte ou ser abandonada por ela?”Ela mostra a Boécio que da mesma forma que viemos ao mundo, voltaremos dele, nus, porque a fortuna e o que ela traz não são próprios da natureza do homem.Todo esse caminho feito pela filosofia é para mostrar a Boécio que definitivamente, a beatitude não se prende as coisas materiais. O que para ele era de pouco valor, para outros valiam mais que a vida, o que para ele era o exílio, para outros eram a pátria. O comportamento de Boécio é de um fraco, preso as limitações e voltado para a exaltação do desespero e do efêmero.A filosofia mostra a Boécio que a felicidade terrestre traz a preocupação, nunca pode ser completa. Os homens sempre estarão descontentes com a sua situação, e cada situação é única, tendo aspectos próprios. Para a filosofia, aos mais afortunados, maior sensibilidade, e, mediante a menor adversidade, o abatimento, nas palavras da filosofia “é preciso muito pouco para tirar os afortunados de sua felicidade”.Entretanto, o infortúnio não é barreira para a beatitude, pois ela pode entrar em todas as partes, não importando a ela se o homem está mergulhado na pobreza ou na riqueza. A beatitude deve ser vista como um estado de espírito. A beatitude consiste em ser senhor de si, ter liberdade, saber guiar-se pela razão e não ter a direção da vida entregue ao acaso (fortuna). A beatitude independe da fortuna, pois a fortuna não tem nenhum conhecimento da natureza da beatitude.Pela instabilidade da fortuna temos medo de perder o que ela nos trouxe, e isso impede que alcancemos a beatitude, impede-nos de se guiarmos pela razão.O sucesso material da fortuna termina com a morte, e a morte não acaba com a beatitude, assim, a filosofia sugere ter algo além, muito além do material. Ela mostra a Boécio que para a maioria dos homens seu infortúnio termina com a morte, novamente, a filosofia indaga: “como a vida na terra poderia tornar os homens felizes, se muitos só encontram a felicidade em seu termo (morte)?”
“Crer em fortunas efêmeras
é crer em alegrias fugazes.
Um decreto eterno foi estabelecido:
nada do que o dia vê é definitivo”

Bibliografia:
BOÉCIO. A consolação da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 156 p.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Quem foi Paulo Freire...

O educador Paulo Freire, nascido em Recife em 1922, e falecido em São Paulo no dia 2 de maio de 1997, era um desses gigantes intelectuais e morais do Brasil, muito mais prestigiado internacionalmente do que em seu próprio país. Freire tem uma estátua numa praça de Estocolmo, Suécia, doutor honoris causa de 28 universidades brasileiras e estrangeiras, e seus livros são publicados em 35 línguas, inclusive em chinês e grego.
Paulo Freire era dotado de uma simplicidade cativante autêntica e de uma honestidade intelectual à toda prova. Referência mundial em matéria de "pedagogia participativa", expressão que gostava de empregar ao se referir à consciência crítica entre aluno e professor e professor e aluno no processo de aprendizagem mútua.
Por exemplo, nos programas populares de educação dos analfabetos de que participou, Freire ensinava que, em lugar da expressão "vovô viu a uva", o aluno deveria ler "vovô viu o tijolo", fazendo uso do instrumento de trabalho familiar ao aluno. Suas aulas, que eram mais conversas ou teatros simulando situações cotidianas, estimulavam o raciocínio, e o homem simples do campo ou da cidade misturava as letras, trocava as vogais e 4 conjugava "tu já lê". Para Freire, a conjugação arrevesada não chegava a ser punida: era mais um recurso para tentar fazer o analfabeto comunicar‑se no seu e em outros meios.
Um dos períodos mais fecundos da vida de Paulo Freire, contudo, não tem recebido o destaque que merece: "Os anos de trabalho no Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Em 1968, um programa apoiado pelo movimento ecumênico foi iniciado na América Latina sob o título Educação para a Justiça Social (EPJS). Equipes ecumênicas formadas em diversos países divulgaram e praticaram o método dialógico e conscientizador inspirado em Paulo Freire. Foram anos de grande produção pedagógica, de formação de agentes populares, de pesquisas sociais e de elaboração de textos de reflexão para trabalhos comunitários".
Resumindo, uma frase do atual ministro da Educação, Paulo Renato de Souza: "Paulo Freire era o brasileiro mais conhecido e reconhecido internacionalmente no campo da educação, e aquele que melhor conseguiu aplicar na prática as suas teorias educacionais, proporcionando os melhores resultados" (declaração a Jornal do Brasil, edição de 3/5/1997, p. 19).